quinta-feira, 28 de abril de 2011

Saudosa Arcádia!

Amáveis sinos que tocam pela janela
Dalém do horizonte visto da ribeira
Cuja margem do céu rutila luzerna
Da relva, o terral sopro toca faceira.

Embora com o que sobra e não se gasta
Amizade de muito, creio, não se embota
Entre outeiros de delícias fruir uma vida crassa
Que a casa distante fica do tempo de ir embora.

Vespertina aurora que os eflúvios celestes
Emergem do clarão renhido se despedindo
Receio partir junto do dia a estar prestes
A dispor de uma vida que rezei pedindo!
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Visão da Morte

Olhos voltados para mim e abertos
Os braços brancos, os nervosos braços,
Vens d'espaços estranhos, dos espaços
Infinitos, intérminos, desertos...

Do teu perfil os tímidos, incertos
Traços indefinidos, vagos traços
Deixam, da luz nos ouros e nos aços,
Outra luz de que os céus ficam cobertos.

Deixam nos céus uma outra luz mortuária,
Uma outra luz de lívidos martírios,
De agonies, de mágoa funerária...

E causas febre e horror, frio, delírios,
Ó Noiva do Sepulcro, solitária,
Branca e sinistra no clarão dos círios!
(Cruz e Souza)
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Inquietação







Por quantos verões passearei minha má cabeça num mundo em que só a chuva cobre os telhados daqueles que aceitam se molhar?
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Passeio dos Víveres

Um mourão estava ao pé da colheita e, ali, falava com uma cenoura descompromissadamente, lista-se, só de passagem, ao que o rumo lhe dava à cabeça; um andarilho. De prosa leve e conversa fácil, eis o que tanto falavam:
- E mais uma vez por cá vem se perder? Já não ficaste ciente das vezes em que o tempo foi embotado à tua procura? Creia ou não, há gente que simpatiza-se por ti!
- Mas que censura mais descabida, dona cenoura! Fincada em raíz ao âmago da terra , de nada podeis suspeitar, além de quê, mais do que um rabanete tu não podes ser e, ademais, o que adiantaria? Eu ter má fama e só a senhora saber?
- Verme arisco que replica meus resmungos! É da saudade quem a falta te faz? Pois desde o início o cenho doloroso a tua ramagem implica, pelas estradas que caminha aos passos que a vida te deixa a míngua!
- Se é, oh bela saudade! Que retumba o silêncio de imagens esquecida, sorrindo ao recordar o quão bom é viver a vida!
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